Estou há duas horas numa festa "que talvez você dê uma passada". Pessoas falam comigo e eu concordo com um sorriso sem tônus, procurando sentido em dentes como se eu fosse de outro país.
Decido ir embora. Estou cansada, estou com meu batimento cardíaco descompassado e bruto chicoteando a jugular. Meus olhos brilham tanto que o brilho escorre e escurece um pouco as olheiras. Você me deixa com cores menos humanas.
Pago a conta, pego a bolsa e suspiro: talvez você dê uma passada. Olhar pra porta é como buscar um fiapo de proteína num planeta com pavês de chocolate.
Decido que eu não preferia antes de te conhecer. Qualquer tormento é melhor do que bocejar. Bolas de calcanhares entediados presas a um pé de ferro.
Só mais um pouco. Mais uns minutos. O táxi está na esquina. Você está na porta. Não fico feliz. Não quero te ver. Não gosto de você. Me lanço para os seus braços. Te conto que estou ossuda e seca de tanto sugar meus pensamentos. Você salgou minha carne, me deu sabor e agora fico me chupando até não sobrar nada. Mas sempre sobra.
Você então começa a me rodopiar. Não pense e só dance, você diz. Acho impossível que duas pessoas que se conhecem há pouco tempo e nunca frequentaram um desses cursos de dança se encaixem tão bem. Mas isso é racional e não explica nada sobre o nosso abraço.
A gente se encaixa muito bem. Um na caixa do outro e a gente tentando parecer grande pra não asfixiar o comecinho do amor. O maior carinho do mundo é se alargar pro outro poder esticar as pernas.
Fico com a sensação de que sua orelha é do tamanho exato da metade da pele atrás do meu joelho. Que a palma da minha mão tem o tamanho exato da parte da sua nuca que vi quando você vai embora. Que seu pé inteiro esquenta ou esfria minha batata da perna inteira.
Fico com a sensação que se eu desmaiar, você pode apenas me somar a seu corpo e seguir vivendo por mim. Eu não queria acabar agora, então, por favor, me termine pra mim.
Fico com a sensação que se eu me lançar dramaticamente pra trás, com meus cabelos estapeando qualquer coisa esquecida, automaticamente brotarão mãos másculas da minha lombar. Suas mãos brotam da minha lombar. Não sinto você me segurando pela cintura. Nem sinto minha cintura segura pelas suas mãos. Sinto que suas mãos brotam de dentro da minha cintura.
E então os pés que te trouxeram (e que sempre te levam tão rápido) agora retiram magicamente minha cabeça da dança e substituem minhas ordens. Ser dirigida pelo seu chão é como ser libertada de uma jaula gigante e esmagadora.
E eu consigo gostar de você apenas com as minhas células e elas, porque não choram e nem sonham, se chacoalham quentes enquanto ignoram uma cabeça rolando pra longe. Quanta coisa linda a gente não nega pra sobreviver num mundo de robôs.
De repente abro os olhos. A cabeça desperta aos poucos, apenas pra dar sentenças claras aos atropelos do peito. Eu penso que isso é gostar tanto de você. Penso que pra caber no diâmetro pequeno entre o ombro que você beija e o ombro que eu mesma toco, te laçando, tem que derramar um pouco.
Eu sei que esse amor é um bebê recém nascido que, por medo e vergonha, já expeli mas seguro entre as pernas. Já tem unhas, mas depois os olhos mudam de cor. Não posso te oferecer, pelada e arregaçada, uma vida tão pequena e à base de líquidos, mas queria que você soubesse a batalha sangrenta que é não sobrecarregar as delicadezas de fora com a violência de dentro.
Decido ir embora. Estou cansada, estou com meu batimento cardíaco descompassado e bruto chicoteando a jugular. Meus olhos brilham tanto que o brilho escorre e escurece um pouco as olheiras. Você me deixa com cores menos humanas.
Pago a conta, pego a bolsa e suspiro: talvez você dê uma passada. Olhar pra porta é como buscar um fiapo de proteína num planeta com pavês de chocolate.
Decido que eu não preferia antes de te conhecer. Qualquer tormento é melhor do que bocejar. Bolas de calcanhares entediados presas a um pé de ferro.
Só mais um pouco. Mais uns minutos. O táxi está na esquina. Você está na porta. Não fico feliz. Não quero te ver. Não gosto de você. Me lanço para os seus braços. Te conto que estou ossuda e seca de tanto sugar meus pensamentos. Você salgou minha carne, me deu sabor e agora fico me chupando até não sobrar nada. Mas sempre sobra.
Você então começa a me rodopiar. Não pense e só dance, você diz. Acho impossível que duas pessoas que se conhecem há pouco tempo e nunca frequentaram um desses cursos de dança se encaixem tão bem. Mas isso é racional e não explica nada sobre o nosso abraço.
A gente se encaixa muito bem. Um na caixa do outro e a gente tentando parecer grande pra não asfixiar o comecinho do amor. O maior carinho do mundo é se alargar pro outro poder esticar as pernas.
Fico com a sensação de que sua orelha é do tamanho exato da metade da pele atrás do meu joelho. Que a palma da minha mão tem o tamanho exato da parte da sua nuca que vi quando você vai embora. Que seu pé inteiro esquenta ou esfria minha batata da perna inteira.
Fico com a sensação que se eu desmaiar, você pode apenas me somar a seu corpo e seguir vivendo por mim. Eu não queria acabar agora, então, por favor, me termine pra mim.
Fico com a sensação que se eu me lançar dramaticamente pra trás, com meus cabelos estapeando qualquer coisa esquecida, automaticamente brotarão mãos másculas da minha lombar. Suas mãos brotam da minha lombar. Não sinto você me segurando pela cintura. Nem sinto minha cintura segura pelas suas mãos. Sinto que suas mãos brotam de dentro da minha cintura.
E então os pés que te trouxeram (e que sempre te levam tão rápido) agora retiram magicamente minha cabeça da dança e substituem minhas ordens. Ser dirigida pelo seu chão é como ser libertada de uma jaula gigante e esmagadora.
E eu consigo gostar de você apenas com as minhas células e elas, porque não choram e nem sonham, se chacoalham quentes enquanto ignoram uma cabeça rolando pra longe. Quanta coisa linda a gente não nega pra sobreviver num mundo de robôs.
De repente abro os olhos. A cabeça desperta aos poucos, apenas pra dar sentenças claras aos atropelos do peito. Eu penso que isso é gostar tanto de você. Penso que pra caber no diâmetro pequeno entre o ombro que você beija e o ombro que eu mesma toco, te laçando, tem que derramar um pouco.
Eu sei que esse amor é um bebê recém nascido que, por medo e vergonha, já expeli mas seguro entre as pernas. Já tem unhas, mas depois os olhos mudam de cor. Não posso te oferecer, pelada e arregaçada, uma vida tão pequena e à base de líquidos, mas queria que você soubesse a batalha sangrenta que é não sobrecarregar as delicadezas de fora com a violência de dentro.
Tati Bernardi é escritora, redatora, roteirista de cinema e televisão e tem quatro livros publicados.