terça-feira, 9 de junho de 2009

Valentina,

Agora que você está perto de completar 5 anos e começa a conhecer as primeiras letras, chegou a hora de aprender algumas coisas sobre a vida. Está preparada? Então vamos lá. Primeiro, o mundo já existia antes de você nascer (sim, eu também levei um susto quando tinha a sua idade e me dei conta disso). Como assim, para quê? Como na canção de Tom Jobim, para que tanto céu, tanto mar, a onda que quebra e o vento da tarde? Para que tanta inútil paisagem antes de você nascer? Mas é assim que as coisas são, o mundo já existia. E, aliás, já estava uma bagunça danada, quando você chegou.

Ou, pensando bem, talvez não. O mundo recomeçou quando você nasceu: cada criança que nasce é um ponto de partida, ao olhar para as coisas ela as inventa. Por exemplo, você me ensinou que o certo é lagartista, e não lagartixa, e que todas as pessoas têm três papais – o de verdade, o Papai Noel e o Papai do Céu. (Sobre os dois últimos há controvérsias, é bom saber logo. Sobre o terceiro, em particular, você vai levar a vida inteira tentando chegar a uma conclusão – e ora vai pensar uma coisa, ora outra, mesmo que leia muitos livros, que não trazem todas as respostas.

Sobre os livros, você já aprendeu que são a coisa mais importante da casa, mas preciso alertar: não acredite em tudo que eles dizem. Aliás não acredite em tudo que ninguém diz: todo mundo mente um pouquinho - e, às vezes, muitão. Saber reconhecer a verdade e a mentira, o sincero e o falso, nos livros e nas pessoas, é importante. Mais importante ainda é saber que existe certo e errado, embora muita gente negue isso (inclusive quem devia dar exemplo).

Exemplo também nem sempre é bom, e os melhores nem sempre são os mais fáceis. Com os conselhos, acontece a mesma coisa, mas não porque se fosse bom se vendia: ao contrário, aquilo que é bom de verdade não se vende nem se compra, nem se guarda, mas se transmite, se dá e se recebe. De qualquer forma, errar é inevitável, mas voltar atrás não: não tenha vergonha de pedir desculpas, nem de perdoar. E não deseje o mal de ninguém, deseje apenas distância de quem fizer mal a você. Por fim, não conte nunca com o ovo dentro da galinha, exija muito de si e espere pouco dos outros.

Ler e escrever cartas é legal porque é uma forma de estar perto mesmo quando se está longe. Guarde com carinho esta primeira cartinha (que não é de papel e tinta, como convém a uma nativa digital como você) e a leve (me leve) pelo seu caminho. Porque, mais importante que tudo que eu escrevi até agora, é saber que todo caminho sozinho é nada, é nada, é nada.



Luciano Trigo

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